Republicação seleta (e levemente aperfeiçoada) dos textos de eutenhoumblog.blogger.com.br, blog que mantive dos 16 aos 19 anos, de 2003 a 2006. A ideia é que a repostagem seja na mesma data anterior (dia e mês, apenas dez anos depois). Nos comentários, eu falo do que me lembro da época em que escrevi, e avanço. Pra que o meu eu de então fique contente.

domingo, 30 de março de 2014

O que é isso, companheiro?, o livro, de Fernando Gabeira

Tem uns livros, uns filmes, que me mudam a visão de certas coisas. O golpe de 64, pra mim, foi coisa rápida. Alguém subiu num palanque, disse coisa parecida com "agora vocês tão fudidos" e estava feito. Pra mim, os atos constitucionais tinham sido um após o outro, e os Generais puseram a Nação de quatro rápido e sem volta. 

Mas não, nem foi assim. 

A coisa foi bem mais lenta. Os estudantes se rebelavam, os socialistas se rebelavam, alguns dentro do exército se rebelavam. Greves, demonstrações. Alguns furavam as greves, armas que deveriam chegar não chegaram. Alguém ia trazer um docinho pra festa e, pluf, o docinho caiu. Pena. 

E há algumas realidades: como, pouco a pouco o Brasil perdia a chance de mudar qualquer coisa que fosse; os que se rebelavam no começo foram reduzidos a eles mesmos, presos na batalha que criaram. Pelos outros. Outros que nem se importavam: falei em mudar visão? Não esqueço tão cedo do grupo revolucionário lá preparando uma demonstração enquanto as pessoas corriam, apressadas, para garantir seu presente de Natal. 

Outra realidade? Esta mesmo, dos socialistas, comunistas, messiânicos, vou-mudar-a-sua-vida-dê-me-sua-mão-agora da vida. Que tinham de se reafirmar que estavam sempre avançando, de que o capitalismo era culpado e que estava caindo. Sempre. Crer que o proletariado se importava com a causa deles, de que se levantariam em armas. Mas não se levantaram. 

Brasil, país controlado pelo capitalismo, pelos EUA. Tanto é que sequestraram o embaixador deles. Paranoia? E, ainda mais uma realidade: a dos brasileiros que se orgulhavam dos revolucionários — essa é, anh, engraçada — "Eles são uns caras legais. São meus ídolos", mas lutar com eles, por eles, pela mesma causa? Nem pensar. 

Ao menos, penso que conseguiram mudar meio passo que seja. Todos os torturados, com toda a eficácia de 1984 e toda a crueldade de, anh, A Paixão de Cristo. Todos nós, brasileiros, orgulhosos de nosso estado, concordamos no que devemos fazer, né? Dar-lhes um feriado, esquecer o motivo do feriado e fazer um churrasco. 

Ou, quem sabe, vender ovos de páscoa.

Um comentário:

Duanne Ribeiro disse...

É uma descrição ingênua do golpe de 1964. Simpática à esquerda, como não poderia deixar de ser dado o livro em questão, mas duvidoso das metanarrativas (o quinto parágrafo), o que eu acho que é uma característica valiosa.

O sexto parágrafo tem por trás uma imagem que eu não inclui, o que é curioso, pois foi praticamente a única coisa que restou de "O que é isso, companheiro?" em mim: os guerrilheiros planejando um ataque e as pessoas comprando naturalmente os seus presentes de Natal. O choque de intenções e de vivências era brutal.

Isso me lembra imediatamente (provavelmente quando escrevi este post eu já estava sobre a influência dessa outra imagem) de "Cem Anos de Solidão, o general que luta e perde 32 revoluções e que enfim percebe que o povo sempre cagou e andou para o que ele falava. O idealismo sempre procura criar raízes no mármore.